Quase metade dos trabalhadores brasileiros está sobrecarregada
Muitos têm desenvolvido transtornos como ansiedade, angústia, crises de pânico e irritabilidade. Dos acometidos, 82% buscam ajuda profissional
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com as empresas Talenses e Gympass, sobre questões relacionadas a benefícios, cultura e bem-estar nas empresas revelou que quase metade dos trabalhadores (43%) alega estar sobrecarregada. O levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP/FGV) chama atenção para outro dado que aumenta a tensão dos impactos da pandemia no mundo do trabalho: três em cada 10 entrevistados (31%) apontaram que sofrem pressão por resultados e metas.
O estudo ouviu no início do ano 572 profissionais – inclusive, baianos – sendo 90% deles empregados. Em relação ao regime de trabalho, 50% estão no formato híbrido, 28% remoto e 22% de forma presencial. Os entrevistados se queixaram do sentimento de que precisam estar disponíveis o tempo todo (30%), falta de reconhecimento (30%), falta de empatia/apoio na liderança direta (27%), além da dificuldade de desempenho em sua plena capacidade de trabalho (22%) e ausência de flexibilidade na jornada (12%).
Entre os transtornos mentais mais comuns identificados estão angústia, crises de pânico, irritabilidade e ansiedade. A exaustão levou 82% das pessoas a buscarem uma terapia. Mudar de emprego foi a escolha de 32% dos profissionais. A redução das horas de trabalho foi apontada por 24% e 21% pediram demissão, mesmo sem ter a perspectiva de um novo emprego.
Quando questionado sobre o cenário de sobrecarga apontado na pesquisa, o Ministério da Saúde disse em nota que, em 2022, a pasta iniciou um projeto de vigilância ativa em saúde do trabalhador que tem dentre seus objetivos identificar os “casos noticiados na mídia de sofrimento ou adoecimento mental”, como aqueles que levam a tentativas de suicídio nos ambientes de trabalho ou devido ao adoecimento mental do trabalho.
Apesar das leis trabalhistas não trazerem uma previsão expressa sobre o assunto, já se tornou algo recorrente a discussão da sobrecarga de trabalho nos processos na Justiça, como pontua a advogada especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário e professora da Uniruy, Karine Baptista.
De acordo com dados do IBGE, no primeiro trimestre de 2022, a Bahia tinha 1,250 milhão de desocupados. Não só a maior taxa de desocupação do país, mas também um número 12 vezes maior que a quantidade de pessoas ocupadas entre 2019/2022 (considerando os três meses iniciais). Os que têm trabalho chegam a mais 99 mil.
No Brasil, havia 10,6 milhões de pessoas desocupadas e mais 3,750 milhões de pessoas trabalhando. Quem precisa do emprego vai mesmo pensar várias vezes antes de dizer um ‘não’ para alguma tarefa demandada pelo chefe.
Psicóloga e professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Juliana Camilo enxerga a sobrecarga no trabalho como uma questão de saúde pública. Antes mesmo da pandemia, já havia um cenário severo com relação à sobrecarga de trabalho, diante de índices de desemprego que só aumentavam e obrigavam profissionais a assumir muito mais do que podiam, se quisessem se manter empregados.
De acordo com números mais recentes do Ministério do Trabalho e Previdência, no ano passado foram concedidos no país 197.814 benefícios por incapacidade, decorrentes de transtornos mentais comportamentais. Só em 2021, 10.110 desses afastamentos foram por ansiedade. Outros 6.399 por transtornos de pânico, 20.071 por episódios depressivos e mais 16.856 por transtorno misto ansioso e depressivo. Reações ao estresse grave somaram 2.736 casos.
Descompressão
A especialista em Gestão de Recursos Humanos e co-diretora de Gestão Estratégica da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-BA), Trícia Rocha, concorda que a pandemia tenha trazidos mudanças significativas sobre a maneira de se trabalhar como a consolidação do home office e maior flexibilização, por exemplo. No entanto, o abuso de demandas precarizou de forma expressiva as condições de trabalho.
“Houve uma necessidade de novos modelos de atuação e cultura devido à crise pandêmica. Com empresas reduzindo quadro de profissionais, isso levou a um acúmulo de funções dos que permaneceram empregados. E qualquer limite que existia entre o pessoal e o profissional foi extrapolado diante de uma jornada laboral que expõe fragilidades físicas e psicossociais”.
Nas empresas, a consequência da sobrecarga vem em forma de falta de comprometimento das equipes, baixa produtividade e engajamento, absenteísmo e taxas de turnover altíssimas (rotatividade de pessoal). Para a professora da Unifacs e especialista em Psicologia na Segurança do Trabalho, Priscila Carvalho, o excesso de atividades urgentes, a falta de apoio da liderança e a dificuldade de impor limites exigem uma reflexão sobre o real sentido de estar naquela empresa por mais que haja o receio de sair do emprego.
O alívio desse sobrepeso passa pela gestão do tempo e equilíbrio da vida pessoal e profissional, como acrescenta Priscila: “Não abra mão de praticar um exercício físico, ter uma boa higiene do sono, organizar seu tempo. Busque mais momentos próximos do convívio com amigos e familiares”, completa.
Reprodução site Correio*